Sexta-feira, 30 de Outubro de 2009
Foi mais uma daquelas noites em que havia anjos na enfermaria a fazer horas para levar um de nós.
Mais uma vez misturados entre os enfermeiros e os médicos, havia ali figuras aladas à espera…
Desta vez, esperavam pelo senhor Joaquim.
Ele era um velho muito velho e estava sempre de boca aberta e a tossir. Naquela noite faltou-lhe o ar ainda mais do que era costume. Pelo monitor, que estava virado para mim, vi bem que aquele coração já não batia para viver. Assim como nenhum coração batia por ele.
Morria ali um homem só. Um homem que ninguém visitava, a não ser um amigo que passava as horas da visita calado aos pés da cama. De resto só tinha os meus sorrisos (às vezes forçados) por companhia.
“É hoje que te vais amigo! Trocamos olhares pela última vez…” – disse para mim.
E assim foi.
Costuma dizer-se que no momento da morte revisitamos os momentos e as pessoas que mais marcaram as nossas vidas.
Não acredito que fosse esse o caso do senhor Joaquim. De tão debilitado que estava, acredito que tudo o que revisitasse, o faria como se o vivesse pela primeira vez (só assim se compreendem alguns sorrisos que se lhe soltavam uma vez ou outra).
Ao contrário, somos nós, aqueles que assistimos impotentes ao fim de uma vida, ali diante dos nossos olhos, que nos agarramos às nossas memórias. Aos que mais amamos. Sentimos o medo, o verdadeiro medo da morte.
De resto da morte dos outros pode fazer crescer em nós uma a grande vontade de viver.
Falo por mim. Nessa noite decidi que ia lutar com mais força para sair daquela enfermaria, onde já estava há bem mais de dois meses.
Quanto ao senhor Joaquim, quando acordei no dia seguinte já não estava lá…
PBM