Estou de baixa e fui despedido.
Mas talvez a coisa mude se as pessoas souberem que é possível sermos despedidos mesmo que gravemente doentes!
Recapitulando:
Quando se tornou público que o meu nome integrava uma lista de profissionais do Rádio Clube alvo de um despedimento colectivo, todos me diziam: “Impossível! Estás de baixa ninguém te pode despedir!” Mas a verdade é que podem, e os meus empregadores, goste-se, ou não, fizeram tudo dentro da Lei.
Não é fácil passarmos por uma situação destas. É tudo legal, e não deixa de ser muito injusto. Mas no meu caso, seria igualmente grave eu não por de lado a angústia e ficar calado. Sendo jornalista, confrontando-me com a ideia de que afinal estamos perante um terrível engano, pedi ao Professor Garcia Pereira para me ajudar a fazer alguma luz sobre este tema.
Isto na convicção de que haverá colegas meus que aprofundem este tema, desfaçam o engano, e esclareçam os portugueses.
Aqui fica o desafio…
Pedro Beça Múrias: Afinal é possível despedir alguém que está de baixa! No entanto a maioria das pessoas pensa o contrário!
António Garcia Pereira: Na verdade, durante muito tempo era usual dizer-se que se alguém estava de baixa não podia ser despedido. Mas o facto é que isso era mais uma prática, ou até a imposição de algum normativo da Contratação Colectiva, do que uma solução da Lei, nos termos da qual essa impossibilidade de despedimento nunca esteve prevista.
PBM: É quase um mito urbano, então! “Estou de baixa ninguém me despede!” De onde pensa que terá surgido essa ideia tão generalizada e tão profundamente instalada nas nossas cabeças?
António Garcia Pereira: Creio que esse ponto de vista terá decorrido da circunstância ou de a baixa ser prolongada (mais de 30 dias) e se entender que, estando o contrato suspenso, o empregador ficaria impossibilitado de exercer o poder disciplinar (o que, correspondendo à Justiça e ao bom senso, não encontra todavia eco no regime legal), ou de a situação de doença ser de tal maneira grave que o trabalhador fica impossibilitado de se defender ou de se pronunciar adequadamente (e aí, parte da doutrina tem considerado que não é legítimo confrontar o mesmo trabalhador com o decurso de prazos que podem ter consequências muito relevantes para a respectiva relação de trabalho).
PBM: O que terá acontecido à Justiça e ao bom senso, que evitavam estes casos?
António Garcia Pereira : Vivemos outros tempos. Os Tribunais agora até já entendem que nem uma crise cardíaca gravíssima nem sequer a morte do Advogado constituído por um determinado cidadão faz suspender a instância do respectivo processo, já praticamente tudo é possível. Ou seja, temos julgadores ao mesmo nível dos empregadores que actuam como o seu!
Agora, e como é óbvio, seja qual for a solução jurídico-formal que se perfilhe, promover o despedimento de alguém que se encontra doente, e sobretudo gravemente doente, constitui um acto inqualificável que em qualquer sociedade minimamente civilizada deveria suscitar a crítica e o repúdio unânimes.
PBM: No meu caso que foi mais ou menos público, ainda houve quem escrevesse ao Cebrian, o CEO da PRISA, dona da Media Capital. Mas recebi mensagens de muitas pessoas dizendo-me que lhes tinha acontecido algo de muito semelhante. A essas pessoas ninguém as defende.
António Garcia Pereira : A questão é que entre nós se vem assistindo, muito em particular na área das relações de trabalho, a uma crescente "banalização do mal", de que a indiferença e as indemnizações provocatoriamente miserabilistas que os nossos Tribunais de Trabalho habitualmente fixam nos casos, mesmo nos mais graves, de puro e duro assédio moral constituem um tão lamentável quanto significativo exemplo. Mas não nos calaremos nunca perante essas manifestações de autêntica barbárie.
Até porque, como dizia Martin Luther King, "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons"...
PBM