Estávamos a 13 de Maio. Dia em que foi apresentado o livro do meu pai, "E o Salazar Nunca Mais Morre". Publicadas 22 anos após a sua morte, em 1987, emergiam finalmente todas as emoções das cartas de África que escreveu à minha mãe quando estava na guerra em Angola em 1963.
Eu não ia estar lá para assistir.
A frustração era mais do que aquilo que é normal suportar-se.
Não consigo descrever por palavras o quanto gostava de ter podido ir a essa apresentação. Mas em duas semanas fora operado duas vezes. A primeira, a 27 de Abril, para extrair o tumor. A segunda, cerca de uma semana depois, para resolver um complexo problema pós-operatório, que me ia matando também. Portanto, ali estava eu, tal como vi o meu pai pela última vez: deitado na cama de um hospital.
Nunca mais tive um amigo como o meu pai. Tenho bons amigos, certamente, mas nada nunca superou essa nossa amizade. "Não sei se gosto mais do amigo, se do filho", escreveu-me ele um dia. Não sei se gostava mais do pai se do amigo, repito eu para mim quase todos os dias. Só mesmo o amor que sinto pela minha filha faz sombra a esse sentimento.
Passei esse dia entre memórias, num duplo papel de pai e de filho: ora revivendo a última troca de olhares que tive com o meu pai, nos Cuidados Intensivos do Curry Cabral, dias antes da sua morte, ora relembrando o abraço que a minha filha me deu quando ela e a mãe me deixaram no hospital um dia antes da operação.
"Esta é a minha Guerra de África", lembro-me bem de pensar nisso. Sem Sanzalas, sem espingardas G3, sem balas. Sem cartas, nem madrinhas de guerra, sem fardas nem fardados. Mas sem dúvida uma luta pela vida; uma luta contra um inimigo mortal que usa a metástase como metralha para matar as vítimas inocentes que o destino escolhe como um atirador furtivo.
Dias depois fiz anos, a 20 de Maio. Recebi a visita da minha filha que me trouxe um pequenino bolo com uma vela.
O meu pai não teve essa sorte. Nunca me teve a seu lado quando as balas sibilivam por cima da sua cabeça.
PBM