Diz o Instituto Nacional de Estatística que o cancro em Portugal
origina 40 mil novos doentes por ano.
Ou seja, numSporting-Porto, jogado, por exemplo, no hiperactivo
estádio do Algarve, 10 mil pessoas não teriam lugar.
Concluo, por isso, que 40 mil portugueses, como eu, receberam
em 2008 uma notícia que os atormenta todas as 24 horas do dia.
Mas sãomuitosmais os portugueses, pais, filhos, irmãos,maridos,
mulheres dos doentes, amigos, que esta doença afecta.
O número de mortes anda aí pelos 22 mil por ano, dizem os números
frios do INE!
Mas fujamos da estatística.
Convido-os a uma viagem até ao terreno, onde a luta contra esta
doença se trava em batalhas singulares, todas disputadas corpo-
-a-corpo contra as metástases.
Falemos de Maria, nome que invento para falar de uma mulher
bonita que conheci há uma semana no Hospital dos Capuchos.
«O Pedro vai passar a andar à moda, quando lhe cair o cabelo.
Os homens agora andam todos de cabelo rapado», disse-me ela,
com uma voz doce, mas, ao mesmo tempo, segura.
Tentava tranquilizar-me, ser solidária, oferecendo-me aquilo que
eu sabia que lhe está a faltar: afecto*.
Maria está desempregada, tem cancro da mama, e o pai do seu
filho de 9 anos anda com o telefone no silêncio.
«Ah! Amim, felizmente, não me vai cair o cabelo!», respondi-lhe.
Sem me aperceber, cometi uma gaffe.
Indirectamente, Maria pedia-me para que lamentasse com ela a
perda do meu cabelo, como se fosse o seu cabelo que ela se preparava
para ver cair. E desata a chorar.
Era o seu primeiro dia na quimioterapia.
Um primeiro dia que o INE multiplica hoje, no Dia Mundial de
Luta contra o Cancro, por 40 mil em cada ano.
Sinto uma grande urgência em correr para o barbeiro e cortar o
cabelo até à raiz.
Em homenagem à Maria!
(Crónica lida a 4 de Fevereiro de 2009 no Rádio Clube)